Urânio Paes
A gestão por competências tem se espalhado pelas empresas com grande velocidade. Alguns a consideram o que há de mais moderno em gestão de pessoas. Outros alardeiam-na como o último passo evolutivo das organizações, depois das eras da qualidade e dos processos. Mas parece que, em que pesem suas contribuições positivas à modernização das empresas, a gestão por competências tem provocado algumas distorções indesejáveis, às quais os profissionais de RH e demais gestores preocupados com o fator humano deveriam estar atentos.
Este artigo trata de uma distorção comum e pouco comentada da gestão por competências: a concentração exagerada de determinados perfis de pessoas nos quadros da empresa e a eliminação das diferenças, criando um ambiente de “mesmice”.
Antes de tratarmos dessa distorção, vale a pena usar alguma conceituação e reconhecer avanços propiciados pela ferramenta. Competências são conhecimentos, habilidades e atitudes mobilizados para a geração de resultados. Em outras palavras, indivíduos competentes não são aqueles que simplesmente sabem executar tarefas, mas aqueles que agregam valor ao negócio e fazem entregas permanentes. Entende-se que competências sejam, ao mesmo tempo, mensuráveis e passíveis de serem desenvolvidas por meio de treinamento.
Alguns autores dividem as competências entre técnicas e comportamentais. Outros as dividem em três tipos: as específicas, ou seja, atreladas a alguns cargos apenas; as gerenciais, desejadas para gestores; e as gerais ou corporativas, necessárias a todas as pessoas e equipes da empresa. É senso comum que as competências gerais ou corporativas são necessárias, especialmente agora que existe grande mobilidade dos indivíduos nas organizações e os cargos deixaram de ser tão importantes quanto foram antigamente.
Assim, as empresas normalmente definem uma lista com algumas poucas competências corporativas, que podem ser, por exemplo: influência, negociação, flexibilidade, pensamento estratégico, visão do negócio, foco em resultados, trabalho em equipe, orientação para o cliente, qualidade, inovação, criatividade e capacidade de lidar com mudanças.
Para implementar a gestão por competências, os passos básicos são, nesta ordem:
(1) definir as competências gerais e específicas desejadas pela organização;
(2) mapear o estado das competências no quadro atual de pessoas (identificando “gaps”);
(3) por fim, implementar a gestão por competências nas diferentes funções de recursos humanos, tais como treinamento e desenvolvimento, recrutamento e seleção, avaliação de desempenho e remuneração.
Uma entrevista de seleção baseada no modelo de competências, por exemplo, tem as seguintes características específicas: ênfase no teste das competências pré-definidas, personalização da entrevista conforme o cargo, investigação do comportamento real do candidato e formulação de perguntas considerando o contexto, a ação e os resultados em situações vivenciadas no passado (exemplo: “cite idéias ou sugestões produtivas que você teve em sua área de atuação”; ou “fale-me sobre uma meta ousada que você estabeleceu e conseguiu alcançar”; ou ainda “conte-me sobre um projeto que você estabeleceu e que não foi bem aceito pela equipe”).
De fato, a gestão por competências está sintonizada com algumas importantes tendências atuais, como reforço no foco em resultados e na agregação de valor dos indivíduos para a empresa, além de modernização do RH das empresas, ensinando-o a trabalhar com mensurações e conectando-o um pouco mais à estratégia do negócio.
Algumas áreas de RH têm, efetivamente, passado por transformações e influenciado mais e melhor as empresas com o auxílio da gestão por competências. Parece claro, portanto, que ela representa um avanço.
Entretanto, como muitas teorias que, de tão populares, viram modismos e panacéias, a gestão por competências tem sido implementada com distorções impressionantes. Uma delas é a criação de um exército de profissionais muito parecidos entre si. O motivo é simples: se todos os funcionários da empresa precisam ter ênfase em algumas poucas competências corporativas, a concentração de pessoas de um mesmo perfil torna-se inevitável e é apenas uma questão de tempo. Implementando a gestão por competências com pouco questionamento, algumas empresas têm simplesmente aniquilado as diferenças entre as pessoas, tratando de excluir determinados perfis dos processos seletivos ou então de doutriná-los por meio de treinamento ou avaliação de desempenho.
Nove tipos
Na prática, isso tem levado ao que os americanos chamam de “more of the same”.
Um instrumento certeiro para evitar esse “mais do mesmo” é o Eneagrama, um sistema diferenciado e poderoso de autoconhecimento e de desenvolvimento humano.
O Eneagrama descreve nove diferentes tipos humanos e os caminhos para cada um deles desenvolver-se e recuperar consciência. Treinamentos recentes de Eneagrama, feitos com grupos de executivos da filial brasileira de uma multinacional, deixaram evidente essa distorção. A empresa havia implementado a gestão por competências e havia definido suas competências gerenciais conforme exigia seu mercado altamente dinâmico: empreendedorismo, adaptação a mudanças, capacidade decisória, foco em resultados e liderança positiva e assertiva (termos alterados para evitar a identificação do cliente).
Ficou claro que 80% dos gestores pertenciam aos Tipos 3, 7 ou 8 do Eneagrama, pois eles eram eminentemente práticos, positivos e dinâmicos, além de possuírem outras qualidades endeusadas naquele ambiente. O 3, por exemplo, é naturalmente focado em resultados. O 7 é mestre em promover e adaptar-se a mudanças. Já o 8 é um líder que não titubeia ao tomar decisões.
As competências mais importantes do negócio realmente estavam bem encaminhadas. Mas, naquele momento, a empresa estava sofrendo alguns efeitos colaterais: inúmeros problemas de processo, gestão deficiente dos riscos, análise insuficiente antes das decisões, ambiente quase nada voltado aos relacionamentos humanos, baixo poder de mediação etc. Apesar de não serem competências centrais do negócio, esses pontos tornaram-se causa de grandes perdas financeiras e insatisfação de funcionários e clientes.
Seria muito diferente se o grupo de gestores contasse com mais pessoas dos Tipos 1, voltadas à eliminação dos erros e à melhoria contínua dos processos, 2, fortes em relacionamentos, 4, atento ao que está faltando e ainda não está bom, 5, com seu conhecido poder de análise, 6, mestre na gestão dos riscos e 9, mediador por natureza.
Em um dos grupos treinados dessa empresa, foi marcante a expressão de terror de uma sobrevivente do Tipo 1. A pobre gestora percebia os problemas, sabia o que fazer para corrigi-los, mas sentia-se absolutamente incapaz, por remar sempre contra a maré.
É inquestionável a validade do modelo de gestão por competências. O único problema é a forma desavisada como, em alguns casos, ele vem sendo aplicado.
Diversas abordagens podem ser usadas para manter os benefícios dessa ferramenta e, ao mesmo tempo, minimizar suas armadilhas. Entretanto, antes disso é importante resgatar o respeito por algumas leis simples e antigas. Por exemplo, aquela que diz que a diversidade de pessoas é fundamental. “Ninguém é perfeito, mas uma equipe de trabalho pode chegar quase à perfeição se unir pessoas de estilos diferentes” – dizia um antigo e competentíssimo profissional da área de RH. Ou, apelando para um gênio da dramaturgia, lembremos a frase célebre de Nelson Rodrigues: “toda unanimidade é burra”.
Urânio Paes, consultor associado da equipe F&M e especialista em Eneagrama
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