Lições do Mar

No seu lindo movimento de ir e vir, no som que mostra sua potência, na sua extensão e profundidade, ouvi em algum nível da minha consciência, algumas lições, lições do mar.

 

Desde pequena, o fascínio pelo mistério das ondas, a brincadeira na beira da praia, onde as pequenas ondas repousam sua espuma branca, o pulo nas que estouram, o mergulho, o “furar a onda” como minha mãe dizia, lembranças vivas e portadoras de ensinamentos não percebidos até então, misturam-se ao olhar da mulher feita pela vida e para a vida.

 

Nesse olhar, misto de inúmeras sensações e aprendizados, fluem percepções, pensamentos, aqui transcritos como simples e profundas lições, lições do mar.

 

Passeando nas areias de Itaparica e de Manguinhos, praias do Espírito Santo, dei-me conta, a partir do reconhecimento das leis naturais que tanto Ramy Arany como Ramy Shanaytá ensinam, respectivamente nos livros Visão Gestadora e A Natureza Ensina, que o mar orienta sobre um monte de coisas.

 

A primeira delas: como lidar com a diversidade.

 

Nas suas águas, não há cor,  idade,  sexo ou cultura que fique de fora. Vi negros, brancos e amarelos banhando-se e brincando nas ondas. Uma criança negra corria ao lado de uma branca e a alegria do mar mostrava a complementaridade das cores das peles, na suave alegria de dois seres que há pouco se juntaram a esse planeta. Que, para os dois, esse mundo ainda é muito grande, as ondas enormes, os desafios imensos, tão gigantes quanto a alegria presente nos gestos, nos sons, na vibração do preto e do branco.

 

Nessas mesmas águas, velhos e jovens disfrutavam por igual da frescura e do movimento das ondas. Senhoras de meia idade, senhoras de idade madura, jovens, meninas, todas juntas, mesmo que separadas, cuidavam para que os trajes de banho ficassem compostos e charmosos. Nesse momento vi as gerações se complementarem e se unirem no sorriso e nas conversas marotas dessas meninas – senhoras.

 

Casais de namorados faziam do mar a testemunha de um amor sensual e sagrado, independentemente da homo ou heterossexualidade. Homens e mulheres jogavam o conhecido frescoball, enquanto o mar teimava por hipnotizar a bolinha até que ela caia nas suas águas e, feliz, as ondas a traziam de volta. Homens e mulheres com seus filhos, de mãos dadas, passeavam a beira-mar, potencializando a força do afeto da família unida.

 

Seres humanos brincando com seres não humanos. Cachorros e seus donos divertindo-se e banhando-se juntos, nas águas desse mar que entra no jogo, com suas ondas fortes e mais fracas, ondas de pega-pega.

 

Surfistas mirins, tentavam se equilibrar nas grandes pranchas, reconhecendo, pela força das águas, suas forças e fraquezas, assim como sua imensa resiliência em aprender, aprender e aprender mais uma vez.

 

O mar não reclama, faz seu trabalho de forma incansável,  tem seu foco e seus limites. Seu movimento traz a própria sustentabilidade. Ele vai se limpando, trazendo para a areia a sujeira que lhe perturba e embaça a clareza das suas águas. Por mais que seja poluído pelo humano sem consciência, toda manhã o mar desperta mais limpo e bonito, numa composição que emociona os mais duros e insensíveis corações.

 

O mar é por si só sustentável e traz no seu movimento incansável, o segredo do trabalho que limpa e harmoniza.

 

O mar trabalha em time o tempo todo, entrecruza com o sol, com a lua, chegando mais perto da praia ou se afastando mais, maré cheia, maré mansa, maré rasa…

 

O mar trabalha em time também com todos os seres que acolhe: pedras, peixes, algas, mamíferos, répteis, cuidando para que o clima seja adequado a tantas vidas que ele gesta.

 

O mar é um celeiro de vida. Para quem já teve a honra de aprofundar a cabeça e o corpo a alguns metros abaixo da superfície, já viu o mundo que existe nas suas profundezas, as cores, a energia, a vida que explode em toda sua beleza.

 

Então, de uma maneira simplista, veja quantas lições: diversidade, sustentabilidade, resiliência, trabalho em time, gestação da vida, entre tantas outras.

 

Diante disso tudo, olho para a cegueira que os humanos apresentam quando não veem, não aprendem, não honram cada gota que se junta e compõe esse imenso gigante e, pelo contrário poluem, matam pelo simples gosto de matar, sem pensar nas vidas que ali estão, sem se conectar com todos os seres que contribuem para a nossa vida, demonstrando um comportamento ainda infantil, egocêntrico e pouco responsável.

 

Mas, o pior é que,  talvez, sejam esses mesmos seres que ocupam cargos de poder na sociedade que fazemos parte. E aí, talvez esteja um aspecto que vale a pena um momento de reflexão: se a visão é curta e pequena para coisas tão fundamentais para a vida, como será a visão para dirigir ou orientar áreas, projetos e pessoas? Quais os valores que fundamentam as decisões? Qual a maturidade dos seus posicionamentos? Como entendem e praticam a diversidade, sustentabilidade e a real responsabilidade social?

 

Essas dúvidas não resolvem, mas assim como me incomodam, talvez incomode você, que se sinta convidado a olhar para o mar com outros olhos, olhos de aprendiz, e que, tal qual uma criança, possa se abrir e simplesmente aprender, aprender com o mar. E quem aprende, ensina, influencia, muda e transforma.

 

Aceita o convite?

 

Profa. Dra. Fátima Motta

Fevereiro / 2017

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