A voz da rede

Nos últimos dias ouvimos uma voz diferente, que acordou após alguns anos de uma sonolência preguiçosa, consequência, entre outras coisas, de tolerância excessiva e descrédito na sua força. Pessoas de várias idades, de todas as partes do país se uniram em torno de um propósito: a busca de um país melhor.

 

Como essas pessoas se uniram? Como foi a liderança dessas manifestações? Sem querer analisar o fato do ponto de vista sociológico ou político, gostaria de ressaltar um único aspecto: quando o propósito existe na alma das pessoas, há união, comprometimento e mobilização.

 

Redes sociais espalharam, de forma viral, notícias e convites à participação, alinhando motivos, crenças, necessidades e expectativas. Milhares de pessoas se unem e mostram sua voz, evidenciam a força da rede, deixam claro que todos estamos conectados de forma invisível e que, independentemente da distância física, emocional, ou mental, rapidamente a união acontece.

 

Foram inúmeros os aprendizados dessas manifestações, mas algo que refleti foi: como seria bom se pudéssemos potencializar a voz da rede e das conexões no nosso dia a dia. Não apenas de forma superficial, compartilhando fotos, viagens ou observações vagas pelas mídias sociais, mas a rede que existe nas famílias, nas empresas, nos condomínios, nas ruas, nos bairros.

 

Vivo numa cidade, São Paulo, onde as pessoas pouco se cumprimentam, pouco se olham, pouco se ajudam, mas a rede existe. Está presente, invisível e não manifesta. Penso, então, em como seria importante ativar essa rede, dar voz a ela, nas mínimas coisas, nas ajudas mútuas, na união, no cuidar, no respeitar. Talvez teríamos mais força para lutar contra a violência urbana, contra o abandono e maus tratos de crianças, mulheres, idosos e animais.

 

Nessa cidade grande, empresas das mais diversas pulsam no mercado, vendendo e comprando, negociando ações, contratando pessoas. Resultados são exigidos e pessoas por vezes esquecidas. Assim, competição prevalece em detrimento à cooperação, o que, por sua vez, torna muda a voz da rede, da união, da força do todo. Por vezes, esforços infrutíferos são feitos para a consolidação dos tão conhecidos times de alta performance e fica a pergunta: por que? Porque, para a existência da voz da rede, dos times, estímulos e reconhecimentos reais devem ser dados à cooperação, ações estratégicas e de treinamento e desenvolvimento devem privilegiar a união e não o confronto e a competição. Ainda há quem pense que é melhor fragmentar, separar para poder governar, liderar. O autoritarismo assim se estabelece.

 

No entanto, reflito sobre a importância de dar voz a essa rede e, talvez, restituir às empresas e às pessoas o verdadeiro sentido de suas existências, reativar a dignidade de “ser”, revigorar o sentido social de cada empreendimento e, ao mesmo tempo, estabelecer condições dignas de trabalho. Parece inadequado, no século XXI tratar de condições dignas de trabalho, porém, hoje, a pressão emocional se apresenta como a condição mais comprometedora à saúde dos profissionais. Talvez a voz da rede ajudasse a diminuir as doenças profissionais, construindo vínculos mais verdadeiros e efetivos na busca de resultados sustentáveis.

 

E, assim como nas cidades, nos bairros e nas empresas, a voz da rede nas famílias está aí para ser ouvida. Fica o questionamento: como anda a voz da rede da família da qual você é parte? As conexões são eficazes? O equilíbrio emocional é presente? Existe ajuda? Dar voz e força a essa rede é reconhecer que a união consegue efetivamente fazer com que o inesperado e o impossível se apresente. É reconhecer que a confiança e a coragem se potencializam na força da rede.

 

Entendo que essa breve reflexão é bastante simples em relação ao todo que essas manifestações ensinaram e à complexidade deste tema aqui tratado, mas, para mim, essa análise é um convite inicial, para que cada um de nós exercite a capacidade de ajuda, do respeito e da união, construídas a partir da relevância da causa e do propósito comuns. É o reconhecimento de que nunca estamos sozinhos e que a força e a voz da rede estão à nossa disposição. Trata-se apenas de uma questão de escolha entre ficarmos sonolentos, sozinhos e fragmentados, ou acordados, fortes e unidos. Qual é a sua escolha?

 

Profa. Dra. Fátima Motta

Publicado no INDIKA BEM em 24 de Junho de 2013

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