Nos últimos tempos, tenho observado e também vivido situações em que o prazer de destruir o outro se revela de maneira sutil, porém devastadora. Essa dinâmica não é nova: historicamente, principalmente as mulheres têm sido vítimas desse tipo de violência silenciosa, onde a desqualificação, o desprezo e a anulação se camuflam sob gestos aparentemente inofensivos.
No entanto, independentemente de gênero, essa é uma sombra que permeia muitas relações humanas, manifestando-se com mais frequência do que gostaríamos de admitir.
Muitas vezes, a destruição não acontece através de atos brutais ou explosões de raiva. Ela se infiltra em gestos cotidianos, palavras veladas, silêncios estratégicos. Um veneno administrado em pequenas doses, difícil de perceber, mas profundo em seu efeito.
Mas o que está por trás dessa tendência tão humana quanto perversa?
O Desejo de Domínio e a Fragilidade do Eu
A destruição do outro frequentemente nasce de uma fragilidade interna. Quando o indivíduo se sente ameaçado em sua autoestima, ferido em seus desejos ou incapaz de lidar com suas próprias frustrações, pode buscar, no outro, um alvo para aliviar sua dor.
Ao diminuir o outro, ainda que por instantes, experimenta a ilusão de grandeza, como se o rebaixamento alheio pudesse restaurar sua dignidade ferida.
Nesse ciclo, o prazer mórbido não vem apenas de fazer o outro sofrer: vem da tentativa desesperada de reafirmar o próprio valor.
Formas Sutis de Destruição
Engana-se quem pensa que destruir o outro exige grandes escândalos.
As formas mais comuns e mais letais de destruição emocional são discretas:
- Desqualificação constante: minimizar conquistas e diminuir o valor do outro.
- Comparações cruéis: usar terceiros para mostrar a inferioridade do outro.
- Silêncio punitivo: negar atenção ou afeto como forma de controle.
- Sabotagem disfarçada de ajuda: oferecer conselhos ou apoio que, na prática, conduzem ao erro.
- Exposição pública de falhas: humilhar sob a aparência de “brincadeira” ou “crítica construtiva”.
- Culpar o outro por tudo: transferir responsabilidades próprias, fazendo com que o outro carregue o peso dos erros.
- Recusar-se a ouvir: invalidar sentimentos e necessidades, negando espaço para a expressão do outro.
- Diminuir silenciosamente: olhares de desprezo, sorrisos irônicos, gestos de impaciência que vão matando a autoestima de forma quase imperceptível.
Essas ações se alimentam da omissão e da dúvida. São ataques que não deixam hematomas visíveis, mas ferem fundo.
A Dinâmica Vítima Algoz
Em muitas relações, a dinâmica de destruição se torna uma dança macabra entre o destruidor e o destruído. E, por mais cruel que pareça, ambos obtêm ganhos inconscientes.
O destruidor reafirma sua sensação de poder; o destruído, muitas vezes, reencena padrões antigos de culpa, submissão e autossabotagem.
Por isso, romper com esse ciclo não é apenas afastar-se do outro: é fazer uma profunda travessia interna.
A Sociedade que Celebra a Destruição
Vivemos em uma cultura que, muitas vezes, valoriza o aniquilamento do outro.
Basta olhar para os linchamentos morais nas redes sociais, para a competição predatória no ambiente de trabalho, para a lógica do “vencer custe o que custar”.
Em nome da justiça, da moralidade ou da própria sobrevivência, celebramos publicamente a destruição alheia — como se a dor do outro pudesse redimir a nossa.
Nesse cenário, o prazer mórbido deixa de ser um desvio individual e se torna um espetáculo coletivo.
Caminhos de Libertação
Libertar-se do prazer mórbido exige uma escolha consciente.
Exige reconhecer, sem máscaras, que dentro de nós também existe um desejo de vingança, uma vontade de revanche, um impulso de superioridade. E, ao invés de alimentá-los, escolher transformá-los.
Essa transformação não acontece da noite para o dia.
É um trabalho diário de fortalecimento do eu, de acolhimento das próprias dores, de respeito pelas imperfeições humanas — as nossas e as dos outros.
Cultivar a escuta verdadeira, assumir a responsabilidade por nossos sentimentos e agir com compaixão são atos revolucionários em um mundo onde destruir é, muitas vezes, mais fácil do que construir.
A maturidade emocional não está em nunca sentir vontade de destruir o outro. Está em escolher, sempre que possível, construir pontes em vez de cavar abismos.
Que possamos reconhecer nossas sombras para não transformar as relações em campos de batalha silenciosa.
Construir é sempre mais corajoso do que destruir.
Profa. Dra. Fátima Motta